Quando TUDO é vídeo, NADA é vídeo
Thiago Cardim

Assim, não que fosse EXATAMENTE uma surpresa pra quem trabalha com redes sociais e tá ligado no que acontece ao seu redor, mas digamos que doeu um pouco no coração ouvir, no começo do mês, o CEO do Instagram, Adam Mosseri, deixando claro e cristalino que a partir de agora, os vídeos serão o foco da plataforma que, outrora, foi a rede social de fotos.

Os sinais tavam bem claros, né. O algoritmo dando a maior moral pros Stories em formato vídeo, o mesmo rolando no feed e, pra coroar, o surgimento dos Reels - o jeito da turma do tio Markinho tentar reagir ao crescimento cavalar do menino TikTok.

É vídeo pra todo lado. E vai ser cada vez mais.

"O vídeo está gerando um crescimento imenso em todas as grandes plataformas e é algo em que acho que precisamos nos inclinar mais", relatou o sujeito. "TikTok é enorme, YouTube é ainda mais e há várias outras opções também". Ele ainda ainda reforçou que o Instagram não é mais um "aplicativo de compartilhamento de fotos quadradas, como era no início, ou de fotos normais, como passou a ser mais tarde".

Não, não é como se a gente não esperasse isso. E vamos abrir o jogo e rasgar a fantasia aqui - Mosseri só verbalizou o que já tá meio claro em diversas plataformas... incluindo este LinkedIn aqui no qual vocês estão me lendo. O vídeo virou a bola da vez, o algoritmo gosta mais, entrega mais, todo mundo quer combater a hegemonia do YouTube com publicações curtas e jeitão mais moderninho. Até dos criadores de conteúdo que nunca sequer arriscaram fazer vídeos, agora é esperado que abram a câmera e saiam falando com a maior desenvoltura do mundo.

Quando digo que me doeu um pouco no coração ouvir isso, é com um pouco de cansaço, para ser brutalmente honesto. Porque, enquanto criador de conteúdo tanto para marcas quanto para meus próprios projetos pessoais, cansa ver mais uma moda concentrando todas as atenções e tirando a grande graça deste trabalho, que é DIVERSIFICAR. Afinal, quando você é FORÇADO a fazer as coisas sempre de um mesmo jeito em nome da audiência, você perde a espontaneidade, a vontade, a naturalidade. Vira linha de montagem.

E aí, quando TODO MUNDO só faz vídeo, é quase como se NINGUÉM fizesse vídeo. Porque fica tudo igual. Tudo vira paisagem. Até a próxima moda surgir e forçar todo mundo a se adequar a ela.

O gostoso desta história de fazer conteúdo é saber que dá pra fazer texto, áudio, imagem estática, GIF, galeria de imagem, carrossel, sei lá, vocês conseguem completar aqui com mais uma dezena de opções possíveis. Dá pra fazer tudo. Mas quando a gente DEPENDE de uma plataforma para que aquele conteúdo chegue nas pessoas e a plataforma deixa claro que apenas um tipo de conteúdo vai ser, de fato, privilegiado, cansa. Dá bode.

Dá bode pra quem trabalha com isso pras marcas, obviamente, porque por mais que se chegue numa produção simplificada, ainda assim vídeo dá um trabalho infinitamente maior do que qualquer outro conteúdo. É naturalmente uma produção mais complexa, mais detalhada, mais demorada, por mais vídeo selfie ou então aquele bom e velho cartelado que se queira fazer. Fica mais caro mas, pra não perder o cliente, você vai lá e "absorve". Já viu.

E dá bode também pro produtor de conteúdo, em especial o independente, que já sabe que vai precisar se submeter ao vídeo mesmo que não tenha equipamento, aptidão por trás das câmeras (ou celulares, mas vocês entenderam) ou ainda qualquer vontade de ser estrela na frente delas. Porque, vamos lá, nem todo conteudista - ah, esta palavra... - é necessariamente um YouTuber ou TikToker em potencial. Às vezes a pessoa só quer que alguém vá ler os seus textos, ouvir os seus podcasts, saca? Mas agora já tá sentindo que, se quiser engajar a sua base que demorou tanto tempo para construir nas redes sociais, vai ter que gravar vídeos de bastidores, fazer piada, fazer dancinha, desafio, dublagem, mil coisas.

E quem tá falando isso, vejam, é um cara que ADORA gravar vídeo. Amo estar na frente das câmeras, curto fazer uma graça, uma palhaçada, rapidamente me adaptei ao momento das lives, das vídeochamadas... Enfim, quem me conhece sabe. Mas não dá pra ser ASSIM. Não dá pra ser SÓ ISSO.

"Ah, todo mundo faz vídeo porque vídeo faz sucesso. É isso que as pessoas querem, é isso que a gente vai entregar". Sei. Ou seja, entramos de novo na bola de neve do "as pessoas só têm acesso a um tipo de conteúdo, logo é só aquilo que elas acessam, logo só aquilo é considerado uma medida de sucesso". Não falta nada? Não falta oferecer mais, provocar mais, ampliar o cardápio, trazer opções? Para que as pessoas possam, DE FATO, escolher o que querem, ao invés de ter alguém (aka "algoritmo") escolhendo por elas?

Quando o produtor de conteúdo precisa OBRIGATORIAMENTE ser um aspirante a astro do vídeo ao invés de se focar em produzir aquilo que faz melhor e PRONTO, sinal de que as coisas não vão exatamente bem...

Quando todo mundo só faz macarrão e todo mundo só come macarrão, ninguém mais arrisca fazer um feijão com arroz, nem que seja pra variar um pouco.